PARA
ENTENDER A TAL CRISE...
por
Clodoaldo Arruda
Em 2014 dois assuntos tomaram
conta dos noticiários após a Copa do Mundo no Brasil: as eleições
presidenciais e a investigação da Polícia Federal sobre corrupção
na Petrobrás, chamada de Operação Lava Jato (nome dado à operação
porque postos de gasolina e redes de lavanderias eram utilizadas para
a lavagem do dinheiro ilícito). Os dois assuntos se fundiram em
vários momentos ao longo do segundo semestre daquele ano, em que a
economia patinava devido à crise internacional iniciada em 2008, com
a bolha imobiliária norte-americana, e que a autoestima do
brasileiro estava abalada depois da derrota da Seleção Brasileira,
em casa, para a seleção da Alemanha por um histórico e inédito
placar de 7 a 1. O clima no âmbito político-social estava estável,
porém irrequieto em 2014, por causa de desdobramentos iniciados em
2012...
Em 2012, como resultado de
processo de 2006, vários líderes e figuras proeminentes do PT,
Partido dos Trabalhadores, principal partido autodefinido de esquerda
do Brasil, no governo desde 2003, com Luiz Inácio Lula da Silva,
operário e líder sindical, na Presidência da República, foram
condenados pelo Supremo Tribunal Federal e presos por corrupção, no
esquema conhecido como Mensalão, que consistia em pagar,
mensalmente, propina para que parlamentares votassem a favor do
governo no Congresso Nacional. O escândalo não impediu que o
presidente Lula fosse reeleito e ficasse no governo até seu término
em 2010, nem tampouco impediu que elegesse sua sucessora, Dilma
Roussef, que assumiu a presidência em 2011, mas manchou a imagem do
PT, até então partido considerado popularmente símbolo de ética e
honestidade na política, de forma irreversível. O ano de 2013, durante os meses de junho e julho, foi marcado por uma série de
protestos populares iniciados em São Paulo pelo Movimento Passe
Livre, um movimento criado durante plenárias do Fórum Social
Mundial, realizado em Porto Alegre em 2005, e formado e liderado por
jovens estudantes, que defende a tarifa zero nos transportes
públicos. Os protestos foram motivados pelo anúncio do aumento da
tarifa na capital paulista, e desencadearam, de forma espontânea,
uma onda nacional de protestos populares com as mais diferentes
reivindicações, tendo como eixo central, a ética na política e o
fim da corrupção.
No início de 2014, nova onda de
protestos, que desta vez tinham como alvo a Copa do Mundo, por causa
das acusações de corrupção e superfaturamento das obras dos
estádios e de infraestruturas das cidades-sede, e denúncias de
violações aos Direitos Humanos contra governos estaduais e
municipais, em relação às atuações da polícia nos esquemas de
segurança, e por causa das desapropriações de populações
próximas aos canteiros de obras, desapropriações estas feitas,
segundo movimentos sociais e Ministérios Públicos de vários
estados, de forma arbitrária, ilegal e até violenta.
Em resumo, os ecos do Mensalão,
as manifestações do Movimento Passe Livre e as demais manifestações
desencadeadas a partir delas, em 2013, e do Movimento Não Vai Ter
Copa no início de 2014, junto ao ápice da crise econômica
internacional, à deflagração da Operação Lava Jato e à derrota
vexaminosa da Seleção Brasileira em casa, tudo isso em ano de
eleições majoritárias nacionais, prepararam
o clima e o tom dos debates políticos até a apuração das urnas na
disputa, em segundo turno, entre a presidente Dilma Rousseff, e o
senador por Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, Partido da Social
Democracia Brasileira, principal partido de oposição. No dia 1º
de janeiro de 2015, Dilma tomou posse de seu segundo mandato,
vencendo Aécio com 51,64% dos votos, contra 48,36% do candidato
mineiro.
A
vitória apertada, apenas 3,28% de vantagem, junto ao desgaste da
imagem do PT (desde o mensalão, o bombardeio por parte da mídia tem
sido constante e incansável contra o partido e muitos de seus
principais quadros) em âmbito nacional, mais uma suposta
ineficiência do governo em fazer o país voltar a crescer
economicamente e em recuperar a Petrobrás, principal empresa estatal
do país, e que encontra-se em queda livre desde as primeiras
denúncias de corrupção, levaram o país a uma situação
dicotômica inédita: a elite, que sempre foi contra as propostas
progressistas e populares do PT, teve suas fileiras engrossadas pela
classe média, auto-proclamada principal vítima das políticas
econômicas e sociais do governo petista nos últimos 12 anos.
Protestos nas ruas, panelaços, e manifestações racistas (contra
negros e índígenas), fascistas (contra gays, lésbicas, pobres,
nordestinos, sem-tetos e favelados), anti-socialistas, favoráveis à
volta do regime militar, à redução da minoridade penal e até da
pena de morte, inundaram as redes sociais.
Do
lado oposto, os vários movimentos sociais em todas as suas faces e
representações, dividiram o país em dois de forma explícita, em
uma espécie de guerra fria civil. O país, social e racialmente
desigual, mantinha ao longo de sua história, suas hemorragias
sociais ocultas em falsa cordialidade. Entretanto, isso não mais era
possível. O quadro que temos hoje é oposto. A elite faz uma
manifestação em um dia, no dia seguinte, os movimentos sociais
populares fazem outro. A guerra de informação e contra-informação
entre a grande mídia, claramente alinhada às elites, e da mídia
alternativa, controlada por partidos de esquerda, movimentos sociais
e anônimos, é evidente. As redes sociais são exacerbadamente
utilizadas pelos dois lados. Nem sempre de forma ética.
A
popularidade da presidente, incapaz de conseguir qualquer tipo de
unidade nesse país fragmentado, bate seguidos recordes de baixa
popularidade, chegando, hoje, a incríveis 64% de rejeição, ou
seja, de pessoas que avaliam seu governo como ruim ou péssimo.
Em
Brasília, aproveitando-se da situação, um Congresso considerado o
mais conservador e retrógrado da história, tendo o PMDB, principal
partido aliado do governo, como líder da política fisiológica,
vota o que quer, como quer e quando quer, oscila entre votar com o
governo e com a oposição conforme lhe convém, e manobra o
tabuleiro de um jogo de xadrez cada vez mais obscuro e confuso para
derrubar a presidente via impeachment, quem sabe, aproveitando-se do
fato que tem, em seus quadros, os dois primeiros na linha de sucessão
caso o impedimento da presidente aconteça, ou seja, o
vice-presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara dos
Deputados, o deputado Eduardo Cunha.
Neste
cenário, temos muitas variáveis, possíveis desfechos e diversos
interesses. A supra citada guerra da informação é a responsável
pela temperatura nas ruas e o tom das discussões dos vários
assuntos abordados. As opiniões são formatadas no consciente e no
subconsciente dos brasileiros enquanto a saúde, a segurança e a
educação, três dos temas considerados mais importantes para a
população brasileira, arrastam-se em administrações sucateadas,
só aumentando o clima tenso do lado de fora dos palácios da Praça
dos Três Poderes, e à este clima tenso, a mídia hegemônica está
dando o nome de crise.
E a
Filosofia nisso tudo? Creio que à Filosofia não cabe explicar a
crise. Este é um problema da Sociologia, da História, e talvez até
da Economia... cabe à Filosofia responder: há crise? O Brasil está
em crise? Qual? Econômica? Política? Institucional? Ética?
A
visão do Senso Comum
Estamos
em crise. Econômica e política. Econômica porque todo o dia temos
aumento de preços, o desemprego só aumenta e vemos o
governo dar mais bolsa família, bolsa presidiário, bolsa aquilo
outro, e o que é pior, muitas vezes para pessoas que não querem
saber de trabalhar, mas querem roupa de marca e celular de última
geração e ainda reclama
que o valor da bolsa é pouca. Aí ficam fazendo filhos igual coelhos
só para ganhar mais bolsa-família.
Enquanto
isso onde realmente deveria ser feito mais investimentos o Brasil tem
cortado, como a ajuda a quem realmente quer estudar e trabalhar duro
para conseguir as coisas. O governo aumenta imposto e preços para
quem está querendo crescer na vida e mantém bolsas para quem não
quer trabalhar. Outro
fator preocupante é que ninguém está investindo, porque está
faltando confiança. A insegurança política está afetando os
investidores.
A
inflação que tinha acabado voltou com toda a força e o dólar não
para de subir. Nosso real não está valendo mais nada! Os juros
estão cada vez mais altos e nosso poder de compra não existe mais.
Com os juros do crédito mais altos, os brasileiros vão diminuir o
consumo de bens duráveis e muitas vezes, até mesmo de bens não
duráveis. Isso causou a recessão.
A
crise é política também porque o governo está afundado na
corrupção.Temos um governo irresponsável e perdulário, que
investe e gasta mal, mas também desvia recursos para financiar um
projeto criminoso de poder. Isso começou no governo Lula e tem se
arrastado até hoje. Eles já afundaram a Petrobrás, estão querendo
que o Brasil vire Cuba, uma ditadura de comunista. O que o Brasil
precisa é de ordem. Como desenvolver um país com segurança,
educação, se o governo está cheio de pessoas que defendem
legalização das drogas, aborto, casamento gay, alunos que passam de
ano sem saber ler... um governo que fala de Direitos Humanos só para
defender bandidos, mas não quer aula de religião nas escolas. Sem
aprender a amar Deus, como a pessoa vai ser uma pessoa de bem? É
uma quadrilha de comunistas, que querem transformar o Brasil em
anarquia, em baderna. Primeiro foi o mensalão e agora tem até
apartamento do Lula no Guarujá. Fora PT! Impeachment já! Vão pra
Cuba!
Uma
visão Filosófica
É
preciso dizer claramente: não há crise! Não esta que alardeia as
panelas de quem sempre encheu a barriga de lagosta, caviar e outros
acepipes e iguarias em suas sacadas gourmets às custas da maioria da
população brasileira, e nem a que choraminga a classe média, que,
privilegiada que era, aliás, agora choraminga por tudo: porque
diminuíram o limite de velocidade na marginal, porque fizeram faixa
para ônibus, porque fizeram metrô em Higienópolis, porque pobre
está voando de avião, porque negro e indígena tem cota nas
universidades, chora, chora, chora... Não, “esta” crise
inexiste!
O
momento econômico por que passa o Brasil está diretamente ligado à
manobras políticas que não visam mais do que dois mesquinhos
objetivos: vingança pela derrota nas urnas por parte de uma oposição
sem forças e sem proposta para o país, e ambição de perpetuação
no poder de um governo que optou por alianças a qualquer preço para
conseguir uma magra vitória. Nesse cenário, uma tentativa de golpe
está a pleno andamento, em um filme de terror em que não há
mocinhos, só vilões e vítimas, as segundas, no caso, a democracia
e o próprio Brasil. As soluções apresentadas por uma mídia
irresponsável e mal intencionada como se fosse mágica milagrosa
passa pelo impeachment de Dilma Rousseff, como se, uma vez afastada a
presidenta eleita de forma legítima no pleito eleitoral, o país
fosse recuperar a estabilidade e a confiança para voltar a crescer
economicamente. A outra solução tirada da cartola de nosso fórum
de ilustres mentes formadoras de opinião, é a caça, prisão e
punição dos corruptos.
O impeachment não deve acontecer, porque, até agora, não há base jurídica para isso. Ao contrário do que ocorreu com outros dois presidentes da história recente de nosso país. Em 1986, José Sarney, no auge do Plano Cruzado 1 (aquele das “fiscais do Sarney”), cometeu estelionato eleitoral logo após a vitória peemedebista nas eleições para os governos estaduais, Congresso e Assembleias, lançando o Plano Cruzado 2 (aquele do “tem que dar certo!” da Globo), e jogou o Brasil em uma crise econômica sem precedentes, a ponto de resultar em uma fracassada moratória em 1987. Ninguém falou em impeachment.
Fernando
Henrique Cardoso comprou votos para se reeleger e foi responsável
por privatizações cujas suspeitas de roubalheira e entrega do
patrimônio nacional pairam até hoje. Outro adepto do estelionato
eleitoral, se reelegeu sob o manto da estabilidade econômica advinda
do Plano Real, mas desvalorizou a moeda duas semanas após assumir
seu segundo mandato. Recordista, o Príncipe, como é conhecido o
sociólogo, poderia pedir música no Fantástico, já que quebrou o
país por três vezes. Ao longo da sua trajetória presidencial,
jamais se imaginou a possibilidade do seu impeachment.
Então,
o que podemos concluir é que a proposta acintosa e descabida de
impeachment da presidenta serve a outros interesses que não os do
país. Quanto à corrupção, óbvio que todos concordam (ao menos
publicamente, posso assegurar que são todos!) que é preciso
coibi-la e puni-la exemplarmente sempre! Entretanto, a corrupção no
país acontece no Brasil de forma epidêmica em toda e qualquer
instância de poder, pública ou privada, qualquer esfera e âmbito
e, o principal, há muitos, muitos anos.
No
que tange às esferas da vida pública, várias propostas de reforma
política que inibiriam e tantas outras que puniriam a corrupção de
forma a, ao menos, encaminhar sua extinção, mofam nas gavetas de
nosso parlamento ou foram derrotadas no Congresso. Exemplo, as
candidaturas continuam podendo receber doações de empresas, ou
seja, empreiteiras vão continuar bancando candidatos e partidos, não
importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a PQP... as eleições
não serão com votos por lista fechada, ou seja, a imensa maioria
dos eleitores continuarão não lembrando em quem votou pra deputado
ou vereador, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a
PQP... partidos podem continuar nascendo sem proposta, ideologia ou
programa, ou seja, o toma lá dá cá pro governo aprovar projetos
vai continuar, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a
PQP... o importante é a pressão por uma reforma política que
afaste o interesse de empresários e políticos ruins como os que
temos, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a PQP...
mas a imprensa não foca nisso, né... Veja, Folha de SP, Jornal
Nacional... nada...
Essa
repentina onda de ética ufanista pretende o que, então? Nos
proteger? De quem? De Dilma? Da corrupção? Do PT? Ora, vá lá, o
PT não cumpriu o que prometia e no poder portou-se como os demais,
mas não inventou a corrupção. Tem “santo” lá? Não!
Entretanto, não é a corrupção do PT que incomoda. O que incomoda
é o empoderamento que classes historicamente excluídas conseguiram
nesses doze anos. Os dados estão para quem quiser ver. A classe
dominante viu, e não gostou. Mas esse artigo não é pra defender o
PT, é pra defender a verdade. A verdade é que estamos em um filme
que não tem heróis, só vilões e vítimas, ou seja, os políticos,
e de novo, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a
PQP... Vá pra rua, bata sua panela, mas saiba o porquê! E o porquê
não é seu, é de quem está controlando e manipulando as
informações, as notícias. Se o golpe der certo e a Dilma sair,
quem entra faz o que? Qual é o plano? Qual a proposta? Qual a agenda
pro país? Você que apoia o impeachment sabe? Sabe mesmo? Quem tá
te incentivando te disse como será no dia seguinte? Não né...
então pensa bem... a quem interessa o clima de divisão do país que
aí está? Ou você é “coxinha” ou é “petralha”. Quem ganha
com essa disputa entre nós, antes dessa confusão toda não éramos
todos “povo” e só? Se questione! Se pergunte! Não aceita tudo
que te dizem, que te vendem não... Não seja senso comum! Olha lá o
que você vai fazer, hein...
Nossa
crise não é política, nem tampouco econômica, pois estas duas se
resolvem por osmose assim que resolvermos a verdadeira crise pelo
qual o Brasil passa: uma crise de valores! Sem ética, passamos pela
onda do “a farinha é pouca, então meu pirão primeiro”. Um toma
lá, dá cá, em que nada sobra à quem não tem sardinha para puxar!
O
PT colhe o que plantou, quando optou por se aliar com o que o Brasil
tinha de mais conservador e nefasto na política brasileira, para um
plano de perpetuação no poder que pode até continuar logrando
êxito, mas que hoje se mostra mais caro do que ele estava disposto
ou tinha cacife para pagar.
A
oposição não faz o que o jogo democrático lhe atribui, ou seja,
não tem uma agenda propositiva que lhes apresente como opção ao
atual governo, e não fiscaliza, estando esta função a cargo da
Polícia Federal e de organismos do Judiciário.
A
nós, os meros mortais também conhecidos como povo, cabe ler de
forma crítica cada linha, cada palavra, analisar cada fato
apresentado por cada um dos personagens dessa história sombria e sem
graça, e ao subgrupo do povo conhecido por Filósofos, cabe a
atenção para que nenhuma inverdade seja vendida como se verdade
fosse! Podemos dizer que o
senso comum se baseia em crenças e proposições consideradas
"certas" e "normais", sem depender de qualquer
tipo de visão crítica ou investigação detalhada, para se alcançar
a verdade. Nesse caso, ficar aqui ou ir pra Cuba não faria a menor
diferença...