sábado, 12 de março de 2016

PARA ENTENDER A TAL CRISE...
por Clodoaldo Arruda

Em 2014 dois assuntos tomaram conta dos noticiários após a Copa do Mundo no Brasil: as eleições presidenciais e a investigação da Polícia Federal sobre corrupção na Petrobrás, chamada de Operação Lava Jato (nome dado à operação porque postos de gasolina e redes de lavanderias eram utilizadas para a lavagem do dinheiro ilícito). Os dois assuntos se fundiram em vários momentos ao longo do segundo semestre daquele ano, em que a economia patinava devido à crise internacional iniciada em 2008, com a bolha imobiliária norte-americana, e que a autoestima do brasileiro estava abalada depois da derrota da Seleção Brasileira, em casa, para a seleção da Alemanha por um histórico e inédito placar de 7 a 1. O clima no âmbito político-social estava estável, porém irrequieto em 2014, por causa de desdobramentos iniciados em 2012...

Em 2012, como resultado de processo de 2006, vários líderes e figuras proeminentes do PT, Partido dos Trabalhadores, principal partido autodefinido de esquerda do Brasil, no governo desde 2003, com Luiz Inácio Lula da Silva, operário e líder sindical, na Presidência da República, foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal e presos por corrupção, no esquema conhecido como Mensalão, que consistia em pagar, mensalmente, propina para que parlamentares votassem a favor do governo no Congresso Nacional. O escândalo não impediu que o presidente Lula fosse reeleito e ficasse no governo até seu término em 2010, nem tampouco impediu que elegesse sua sucessora, Dilma Roussef, que assumiu a presidência em 2011, mas manchou a imagem do PT, até então partido considerado popularmente símbolo de ética e honestidade na política, de forma irreversível. O ano de 2013, durante os meses de junho e julho, foi marcado por uma série de protestos populares iniciados em São Paulo pelo Movimento Passe Livre, um movimento criado durante plenárias do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2005, e formado e liderado por jovens estudantes, que defende a tarifa zero nos transportes públicos. Os protestos foram motivados pelo anúncio do aumento da tarifa na capital paulista, e desencadearam, de forma espontânea, uma onda nacional de protestos populares com as mais diferentes reivindicações, tendo como eixo central, a ética na política e o fim da corrupção.

No início de 2014, nova onda de protestos, que desta vez tinham como alvo a Copa do Mundo, por causa das acusações de corrupção e superfaturamento das obras dos estádios e de infraestruturas das cidades-sede, e denúncias de violações aos Direitos Humanos contra governos estaduais e municipais, em relação às atuações da polícia nos esquemas de segurança, e por causa das  desapropriações de populações próximas aos canteiros de obras, desapropriações estas feitas, segundo movimentos sociais e Ministérios Públicos de vários estados, de forma arbitrária, ilegal e até violenta.

Em resumo, os ecos do Mensalão, as manifestações do Movimento Passe Livre e as demais manifestações desencadeadas a partir delas, em 2013, e do Movimento Não Vai Ter Copa no início de 2014, junto ao ápice da crise econômica internacional, à deflagração da Operação Lava Jato e à derrota vexaminosa da Seleção Brasileira em casa, tudo isso em ano de eleições majoritárias nacionais, prepararam o clima e o tom dos debates políticos até a apuração das urnas na disputa, em segundo turno, entre a presidente Dilma Rousseff, e o senador por Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira, principal partido de oposição. No dia 1º de janeiro de 2015, Dilma tomou posse de seu segundo mandato, vencendo Aécio com 51,64% dos votos, contra 48,36% do candidato mineiro.

A vitória apertada, apenas 3,28% de vantagem, junto ao desgaste da imagem do PT (desde o mensalão, o bombardeio por parte da mídia tem sido constante e incansável contra o partido e muitos de seus principais quadros) em âmbito nacional, mais uma suposta ineficiência do governo em fazer o país voltar a crescer economicamente e em recuperar a Petrobrás, principal empresa estatal do país, e que encontra-se em queda livre desde as primeiras denúncias de corrupção, levaram o país a uma situação dicotômica inédita: a elite, que sempre foi contra as propostas progressistas e populares do PT, teve suas fileiras engrossadas pela classe média, auto-proclamada principal vítima das políticas econômicas e sociais do governo petista nos últimos 12 anos. Protestos nas ruas, panelaços, e manifestações racistas (contra negros e índígenas), fascistas (contra gays, lésbicas, pobres, nordestinos, sem-tetos e favelados), anti-socialistas, favoráveis à volta do regime militar, à redução da minoridade penal e até da pena de morte, inundaram as redes sociais.

Do lado oposto, os vários movimentos sociais em todas as suas faces e representações, dividiram o país em dois de forma explícita, em uma espécie de guerra fria civil. O país, social e racialmente desigual, mantinha ao longo de sua história, suas hemorragias sociais ocultas em falsa cordialidade. Entretanto, isso não mais era possível. O quadro que temos hoje é oposto. A elite faz uma manifestação em um dia, no dia seguinte, os movimentos sociais populares fazem outro. A guerra de informação e contra-informação entre a grande mídia, claramente alinhada às elites, e da mídia alternativa, controlada por partidos de esquerda, movimentos sociais e anônimos, é evidente. As redes sociais são exacerbadamente utilizadas pelos dois lados. Nem sempre de forma ética.

A popularidade da presidente, incapaz de conseguir qualquer tipo de unidade nesse país fragmentado, bate seguidos recordes de baixa popularidade, chegando, hoje, a incríveis 64% de rejeição, ou seja, de pessoas que avaliam seu governo como ruim ou péssimo.

Em Brasília, aproveitando-se da situação, um Congresso considerado o mais conservador e retrógrado da história, tendo o PMDB, principal partido aliado do governo, como líder da política fisiológica, vota o que quer, como quer e quando quer, oscila entre votar com o governo e com a oposição conforme lhe convém, e manobra o tabuleiro de um jogo de xadrez cada vez mais obscuro e confuso para derrubar a presidente via impeachment, quem sabe, aproveitando-se do fato que tem, em seus quadros, os dois primeiros na linha de sucessão caso o impedimento da presidente aconteça, ou seja, o vice-presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Eduardo Cunha.

Neste cenário, temos muitas variáveis, possíveis desfechos e diversos interesses. A supra citada guerra da informação é a responsável pela temperatura nas ruas e o tom das discussões dos vários assuntos abordados. As opiniões são formatadas no consciente e no subconsciente dos brasileiros enquanto a saúde, a segurança e a educação, três dos temas considerados mais importantes para a população brasileira, arrastam-se em administrações sucateadas, só aumentando o clima tenso do lado de fora dos palácios da Praça dos Três Poderes, e à este clima tenso, a mídia hegemônica está dando o nome de crise.

E a Filosofia nisso tudo? Creio que à Filosofia não cabe explicar a crise. Este é um problema da Sociologia, da História, e talvez até da Economia... cabe à Filosofia responder: há crise? O Brasil está em crise? Qual? Econômica? Política? Institucional? Ética?

A visão do Senso Comum

Estamos em crise. Econômica e política. Econômica porque todo o dia temos aumento de preços, o desemprego só aumenta e vemos o governo dar mais bolsa família, bolsa presidiário, bolsa aquilo outro, e o que é pior, muitas vezes para pessoas que não querem saber de trabalhar, mas querem roupa de marca e celular de última geração e ainda reclama que o valor da bolsa é pouca. Aí ficam fazendo filhos igual coelhos só para ganhar mais bolsa-família.
Enquanto isso onde realmente deveria ser feito mais investimentos o Brasil tem cortado, como a ajuda a quem realmente quer estudar e trabalhar duro para conseguir as coisas. O governo aumenta imposto e preços para quem está querendo crescer na vida e mantém bolsas para quem não quer trabalhar. Outro fator preocupante é que ninguém está investindo, porque está faltando confiança. A insegurança política está afetando os investidores.
A inflação que tinha acabado voltou com toda a força e o dólar não para de subir. Nosso real não está valendo mais nada! Os juros estão cada vez mais altos e nosso poder de compra não existe mais. Com os juros do crédito mais altos, os brasileiros vão diminuir o consumo de bens duráveis e muitas vezes, até mesmo de bens não duráveis. Isso causou a recessão.
A crise é política também porque o governo está afundado na corrupção.Temos um governo irresponsável e perdulário, que investe e gasta mal, mas também desvia recursos para financiar um projeto criminoso de poder. Isso começou no governo Lula e tem se arrastado até hoje. Eles já afundaram a Petrobrás, estão querendo que o Brasil vire Cuba, uma ditadura de comunista. O que o Brasil precisa é de ordem. Como desenvolver um país com segurança, educação, se o governo está cheio de pessoas que defendem legalização das drogas, aborto, casamento gay, alunos que passam de ano sem saber ler... um governo que fala de Direitos Humanos só para defender bandidos, mas não quer aula de religião nas escolas. Sem aprender a amar Deus, como a pessoa vai ser uma pessoa de bem? É uma quadrilha de comunistas, que querem transformar o Brasil em anarquia, em baderna. Primeiro foi o mensalão e agora tem até apartamento do Lula no Guarujá. Fora PT! Impeachment já! Vão pra Cuba!

Uma visão Filosófica

É preciso dizer claramente: não há crise! Não esta que alardeia as panelas de quem sempre encheu a barriga de lagosta, caviar e outros acepipes e iguarias em suas sacadas gourmets às custas da maioria da população brasileira, e nem a que choraminga a classe média, que, privilegiada que era, aliás, agora choraminga por tudo: porque diminuíram o limite de velocidade na marginal, porque fizeram faixa para ônibus, porque fizeram metrô em Higienópolis, porque pobre está voando de avião, porque negro e indígena tem cota nas universidades, chora, chora, chora... Não, “esta” crise inexiste!
O momento econômico por que passa o Brasil está diretamente ligado à manobras políticas que não visam mais do que dois mesquinhos objetivos: vingança pela derrota nas urnas por parte de uma oposição sem forças e sem proposta para o país, e ambição de perpetuação no poder de um governo que optou por alianças a qualquer preço para conseguir uma magra vitória. Nesse cenário, uma tentativa de golpe está a pleno andamento, em um filme de terror em que não há mocinhos, só vilões e vítimas, as segundas, no caso, a democracia e o próprio Brasil. As soluções apresentadas por uma mídia irresponsável e mal intencionada como se fosse mágica milagrosa passa pelo impeachment de Dilma Rousseff, como se, uma vez afastada a presidenta eleita de forma legítima no pleito eleitoral, o país fosse recuperar a estabilidade e a confiança para voltar a crescer economicamente. A outra solução tirada da cartola de nosso fórum de ilustres mentes formadoras de opinião, é a caça, prisão e punição dos corruptos.

O impeachment não deve acontecer, porque, até agora, não há base jurídica para isso. Ao contrário do que ocorreu com outros dois presidentes da história recente de nosso país. Em 1986, José Sarney, no auge do Plano Cruzado 1 (aquele das “fiscais do Sarney”), cometeu estelionato eleitoral logo após a vitória peemedebista nas eleições para os governos estaduais, Congresso e Assembleias, lançando o Plano Cruzado 2 (aquele do “tem que dar certo!” da Globo), e jogou o Brasil em uma crise econômica sem precedentes, a ponto de resultar em uma fracassada moratória em 1987. Ninguém falou em impeachment.

Fernando Henrique Cardoso comprou votos para se reeleger e foi responsável por privatizações cujas suspeitas de roubalheira e entrega do patrimônio nacional pairam até hoje. Outro adepto do estelionato eleitoral, se reelegeu sob o manto da estabilidade econômica advinda do Plano Real, mas desvalorizou a moeda duas semanas após assumir seu segundo mandato. Recordista, o Príncipe, como é conhecido o sociólogo, poderia pedir música no Fantástico, já que quebrou o país por três vezes. Ao longo da sua trajetória presidencial, jamais se imaginou a possibilidade do seu impeachment.

Então, o que podemos concluir é que a proposta acintosa e descabida de impeachment da presidenta serve a outros interesses que não os do país. Quanto à corrupção, óbvio que todos concordam (ao menos publicamente, posso assegurar que são todos!) que é preciso coibi-la e puni-la exemplarmente sempre! Entretanto, a corrupção no país acontece no Brasil de forma epidêmica em toda e qualquer instância de poder, pública ou privada, qualquer esfera e âmbito e, o principal, há muitos, muitos anos.

No que tange às esferas da vida pública, várias propostas de reforma política que inibiriam e tantas outras que puniriam a corrupção de forma a, ao menos, encaminhar sua extinção, mofam nas gavetas de nosso parlamento ou foram derrotadas no Congresso. Exemplo, as candidaturas continuam podendo receber doações de empresas, ou seja, empreiteiras vão continuar bancando candidatos e partidos, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a PQP... as eleições não serão com votos por lista fechada, ou seja, a imensa maioria dos eleitores continuarão não lembrando em quem votou pra deputado ou vereador, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a PQP... partidos podem continuar nascendo sem proposta, ideologia ou programa, ou seja, o toma lá dá cá pro governo aprovar projetos vai continuar, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a PQP... o importante é a pressão por uma reforma política que afaste o interesse de empresários e políticos ruins como os que temos, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a PQP... mas a imprensa não foca nisso, né... Veja, Folha de SP, Jornal Nacional... nada...

Essa repentina onda de ética ufanista pretende o que, então? Nos proteger? De quem? De Dilma? Da corrupção? Do PT? Ora, vá lá, o PT não cumpriu o que prometia e no poder portou-se como os demais, mas não inventou a corrupção. Tem “santo” lá? Não! Entretanto, não é a corrupção do PT que incomoda. O que incomoda é o empoderamento que classes historicamente excluídas conseguiram nesses doze anos. Os dados estão para quem quiser ver. A classe dominante viu, e não gostou. Mas esse artigo não é pra defender o PT, é pra defender a verdade. A verdade é que estamos em um filme que não tem heróis, só vilões e vítimas, ou seja, os políticos, e de novo, não importa quem está no governo, se PT, PSDB ou a PQP... Vá pra rua, bata sua panela, mas saiba o porquê! E o porquê não é seu, é de quem está controlando e manipulando as informações, as notícias. Se o golpe der certo e a Dilma sair, quem entra faz o que? Qual é o plano? Qual a proposta? Qual a agenda pro país? Você que apoia o impeachment sabe? Sabe mesmo? Quem tá te incentivando te disse como será no dia seguinte? Não né... então pensa bem... a quem interessa o clima de divisão do país que aí está? Ou você é “coxinha” ou é “petralha”. Quem ganha com essa disputa entre nós, antes dessa confusão toda não éramos todos “povo” e só? Se questione! Se pergunte! Não aceita tudo que te dizem, que te vendem não... Não seja senso comum! Olha lá o que você vai fazer, hein...

Nossa crise não é política, nem tampouco econômica, pois estas duas se resolvem por osmose assim que resolvermos a verdadeira crise pelo qual o Brasil passa: uma crise de valores! Sem ética, passamos pela onda do “a farinha é pouca, então meu pirão primeiro”. Um toma lá, dá cá, em que nada sobra à quem não tem sardinha para puxar!

O PT colhe o que plantou, quando optou por se aliar com o que o Brasil tinha de mais conservador e nefasto na política brasileira, para um plano de perpetuação no poder que pode até continuar logrando êxito, mas que hoje se mostra mais caro do que ele estava disposto ou tinha cacife para pagar.
A oposição não faz o que o jogo democrático lhe atribui, ou seja, não tem uma agenda propositiva que lhes apresente como opção ao atual governo, e não fiscaliza, estando esta função a cargo da Polícia Federal e de organismos do Judiciário.

A nós, os meros mortais também conhecidos como povo, cabe ler de forma crítica cada linha, cada palavra, analisar cada fato apresentado por cada um dos personagens dessa história sombria e sem graça, e ao subgrupo do povo conhecido por Filósofos, cabe a atenção para que nenhuma inverdade seja vendida como se verdade fosse! Podemos dizer que o senso comum se baseia em crenças e proposições consideradas "certas" e "normais", sem depender de qualquer tipo de visão crítica ou investigação detalhada, para se alcançar a verdade. Nesse caso, ficar aqui ou ir pra Cuba não faria a menor diferença...