sábado, 2 de julho de 2011

Funk Carioca para leigos

Eletro-funk Carioca
Esse é o nome verdadeiro do ritmo criado no Brasil (isso mesmo! No Brasil!) que ganhou as pistas, as ruas e os quadris de brasileiros e europeus

O “funk” que se ouve nos “bailes funk” Brasil afora é, como quase tudo que vem da periferia, de uma mistura de pouca informação, muito talento de improvisação, capacidade de adaptação e o molho de criatividade que só o brasileiro tem. Nossa história começa nos anos 70, quando toda a negrada de todas as quebradas das capitais do eixo Sul-Sudeste tinham, como forma de lazer, os bailes blacks. Disco music, funk, soul e samba-rock embalavam as juventudes negras e brancas pobres das metrópoles. No Rio de Janeiro, o termo “baile black” não era muito utilizado, o que se dizia por lá era “baile funk”, já que este era o ritmo que imperava.

Pois bem, esta é apenas uma das peculiaridades dos bailes do Rio. Outra peculiaridade é que, se compararmos a São Paulo, encontraremos outras diferenças vitais para entendermos como chegamos ao “funk” de hoje: São Paulo e Rio tinham basicamente o mesmo repertório de sons, mas os cariocas sempre preferiram os ritmos mais rápidos. Funks com batidas mais frenéticas, enquanto que São Paulo sempre foi mais do soul mais arrastado, daquele de se dançar deslizando no salão, algo como “Same Beat” de James Brown ou “Funk Worm” de Ohio Players, enquanto o Rio sempre foi mais para “Dance On The Floor” de Jimmy “Bo” Horn ou “Think” de Lynn Colins, que são sons mais rápidos.

Na década de 80 essa tendência dos bailes paulistas e cariocas continuaram: em São Paulo, o rap começava a entrar no set list dos DJs, com ênfase ao rap feito em Nova York, mais parecido e influenciado por James Brown, com ênfase nos timbres mais pesados, principalmente nos bumbos, com batidas mais compassadas, rolando sons de nomes como Kool Moe Dee, Biz Markie, Boogie Down Productions, etc., assim como um flerte com o raggamuffin´ jamaicano de Shabba Ranks e similares, enquanto que no Rio, a vertente do rap que mais se assemelhava à pulsasão que os cariocas gostavam veio do Miami Bass, rap feito em Miami por negros e latinos influenciados pelas batidas rápidas do breakdance, febre nos anos 80, e com ênfase em timbres graves, principalmente dos timbres de subwoolf, chamado em inglês de “Bass”. Daí o nome: Bass feito em Miami = Miami Bass. Essa batida tinha um criador, Afrika Bambaata. Quem quiser ouvir a raíz do “funk” feito no Rio, tem de conhecer seu maior sucesso, a música “Planet Rock”, o som que inaugurou o termo “Eletro-funk”, ou seja, um funk feito inteiramente de recursos usados na música eletrônica. Todos os “miamis” e “funks cariocas” feitos dos anos 80 até o início dos anos 90 é feito e cantado encima dessa batida. Funk feito de recursos eletrônicos = Eletro-funk. Sacaram?

Quem fosse à um “baile funk” no Rio iria escutar os pancadões de, entre outros, Gigolo Tony, Le Juan Love e o maior representante do rap de Miami, o grupo 2 Live Crew. Além do Miami Bass, a outra principal influência do “funk carioca” foi algo que nos Estados Unidos não fez muito barulho... Na verdade, não fez barulho em parte alguma do planeta a não ser no Rio de Janeiro, e por lá rendeu muitos frutos. Estou falando do que ficou chamado de “Latin Hip Hop”. Era uma tentativa de usar as batidas do Hip Hop, principalmente os breakbeats do breakdance, misturar com percussões latinas tiradas de bateria eletrônica, teclados e vocais melódicos, e letras românticas. Complicado, né...? Para entender melhor ouçam “Silent Morning” de Noel Pagan, “Tell Me” das Cover Girls ou qualquer música de Stevie B, um “clássico” do gênero.

Nas letras dos (já artistas consagrados em suas quebradas), artistas do rap de São Paulo e do “funk” do Rio de Janeiro, outra diferença vital: influenciado pelo rap nova-iorquino, em São Paulo, os raps eram mais “sérios”, com letras politizadas, falando de consciência racial e social, racismo, violência policial e urbana, etc. No Rio, cidade praiana, ensolarada, conhecida pela irreverência, com grande influência do Miami Bass, de letras explicitamente eróticas e do “Latin Hip Hop”, predominantemente românticas, não deu outra: letras com duplo sentido, de conotação sexual, ou o chamado “funk melody”, nosso “Latin Hip Hop”, com letras românticas, vide Latino, MC Marcinho ou Copacabana Beat. Toda regra tem exceção, mas em via de regra, era isso... E sem maniqueísmo, sem essa de quem estava certo, ou quem estava errado, cada qual com seu cada um, e tá valendo.

Toda essa produção efervescente do “funk carioca”, assim como o rap em São Paulo, se deu de forma totalmente independente do mercado cultural formal. Sob a tutela do DJ Marlboro, ainda hoje o maior nome do eletro-funk carioca, já que está nesse movimento desde seu início nos anos 80, produzindo e lançando artistas, e hoje, leva o gênero mundo afora em turnês internacionais, o eletro-funk carioca pode se chamar assim, porque evoluiu.

Há muito tempo não se ouve um lançamento de “funk carioca” baseado nas batidas de “Planet Rock”. O som feito no Rio de Janeiro, inventado pelos cariocas pode se chamar de “carioca”, ter nome próprio, porque, com seus escassos recursos, criou duas ou três células percussivas que não existiam antes em gênero musical algum! Foi inventado por eles! Você, cara leitora, caro leitor, deixe seu preconceito de lado, se quiser, ignore a letra cheia de “sacanagens”, se você for um daqueles muito puritanos, ou ouça bem baixinho, se não quiser ser flagrado por ninguém e se sentir constrangido. Estou lhe convidando a ouvir e prestar atenção no experimento musical único e inédito que os cariocas vêm fazendo. Sintetizados lá naquelas baterias eletrônicas e computadores, batidas de afoxé, de escolas de samba e até de umbanda estão lá! Nenhum, repito, nenhum gênero musical no mundo inteiro, se utilizou desses elementos ancestrais e os transformou em dance music, em música pop contemporânea, com tamanha eficácia. Então o eletro-funk feito no Rio de Janeiro, Brasil, é diferente de qualquer eletro-funk feito no mundo. Porque no resto do mundo, se faz eletro-funk inglês ou americano... Aqui, fazemos eletro-funk Carioca!!!

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